Ilhas Selvagens

Este conjunto de ilhas, ilhéus e afloramentos rochosos constitui a parte emergida de um único edifício vulcânico, cuja base se encontra a uns 3.500 metros de profundidade, e que se foi construindo pela acumulação de materiais procedentes de sucessivas erupções submarinas. Apresenta um alinhamento NE-SO, com uma das ilhas situada num extremo e as outras duas no outro. A Selvagem Grande é a mais oriental do arquipélago, e dista cerca de 10 milhas da Selvagem Pequena. Entre ambas, os fundos marinhos superam os 500 metros de profundidade. Esta última e o Ilhéu de Fora, a mais ocidental, formavam uma única ilha até há poucos milhares de anos, quando o nível do mar se encontrava mais baixo do que agora. Hoje em dia, estão separadas por um estreito braço de mar de menos de uma milha e que apenas atinge os 20 metros de profundidade.

Pertençe a Portugal e é uma reserva natural da Região Autónoma da Madeira.

Não se sabe com exactidão a idade destas ilhas, mas a sua geologia indica que são bastante antigas: calcula-se que terão emergido durante o Miocénico Inferior, provavelmente durante o mesmo período em que surgiram Lanzarote, Fuerteventura e Porto Santo.

O embasamento da Selvagem Grande é formado por um complexo aglomerado de rochas porosas compactas, que encerram rochas fonolíticas e plutónicas, atravessado por diques e picos fonolíticos e basálticos. Sobre esta matriz que se eleva uns 70-80 metros acima do nível do mar, assenta um estrato de materiais calcários com vários metros de espessura, onde aparecem diversos fósseis tanto terrestres como marinhos. A parte superior da ilha está coberta por piroclastos e escoadas de lava basáltica de antigas erupções submarinas e de outras mais recentes com origem nos picos da Atalaia, Tornozelos e Inferno, os quais, na realidade, são cones vulcânicos desmantelados.

A Selvagem Grande é a maior ilha, com 4,5 km2, e a mais alta do arquipélago (151m). Tem a forma de um pentágono de contorno mais ou menos arredondado, plana na parte de cima e com vertentes muito inclinadas que caem bruscamente sobre o mar. A parte superior, situada a uns 100 m acima do nível do mar, é um extenso planalto em que se destacam três promontórios: o Pico da Atalaia, de 151 m, onde existe um farol; o Pico dos Tornozelos, de 137 m, e o Pico do Inferno, 107 m. Quando o céu está limpo, dali pode ver-se perfeitamente o Teide, à vista desarmada.

A costa, alcantilada e abrupta, mostra que sofreu uma acentuada erosão provocada pela intensa acção do mar. O acesso à ilha é difícil, dado que se encontra totalmente rodeada de escolhos, escarpas e plataformas rochosas. Existe um pequeno embarcadouro, situado a Sotavento, na Enseada das Cagarras, onde está também a casa dos guardas da Reserva. É de aqui que partem dois caminhos em direcção ao planalto superior.

A Selvagem Pequena, com uma área de 0,3 km2, é baixa e está em grande parte coberta por areias organogénicas de origem marinha. No extremo ocidental sobressai um pequeno promontório, o Pico do Veado ou da Atalaia, de apenas 49 m de altura, onde está implantado outro farol. Durante a preia-mar, uma boa parcela do sector oriental da ilha fica submersa. Se o estado do mar o permitir, é possível desembarcar numa pequena praia localizada a sudoeste, cerca da casinhota onde se alojam os guardas.

Tal como a Selvagem Pequena, o Ilhéu de Fora ou “Salvajita”, como lhe chamam os canários, é baixo e pequeno, com uma superfície de 0,1 km2, também maioritariamente coberta por areias organogénicas. Destacam-se dois conjuntos rochosos, o mais alto dos quais, no extremo SE, apenas se eleva 15 metros acima do nível do mar. Para Norte, estende-se uma comprida plataforma marinha pouco profunda, da qual sobressaem vários ilhéus e afloramentos rochosos. Nesta ilha não há nenhuma construção e desembarcar nela é muito difícil.

Na generalidade, o clima das Selvagens apresenta características do tipo oceânico subtropical, semelhante ao das costas canárias. Pela sua situação geográfica, recebem o influxo das águas frias da Corrente do Golfo e dos ventos alísios procedentes do quadrante dos Açores. Devido à sua escassa altitude, os alísios não chegam a provocar precipitações, mas, graças a eles e às águas frias que rodeiam estas ilhas, a atmosfera mantém-se fresca e húmida durante a maior parte do ano. Por vezes, são afectadas pelas tempestades atlânticas do Norte e do Oeste, com chuvas torrenciais acompanhadas de grande aparato eléctrico, mas estas situações meteorológicas, por norma, duram poucas horas. Ocasionalmente, também recebem massas de ar quente e seco procedentes de África, carregadas, ou não, de pó do Saara, como acontece nas Ilhas Canárias quando o “tempo Sul” as invade.

As Ilhas Selvagens foram oficialmente descobertas pelo navegador português Diogo Gomes, em 1640, quando regressava de uma expedição à costa da Guiné. Diogo Gomes tomou posse deste diminuto arquipélago em nome da coroa portuguesa, dele deixando uma breve descrição: “ilha chamada Selvagem é estéril, ninguém habita nela, nem tem árvores nem águas correntes”. Na realidade, estas ilhas já eram conhecidas há muito tempo, figurando inclusive no mapa dos irmãos Pizzigani, terminado em 1367, mas até então ninguém tinha reclamado a sua propriedade. Os portugueses interessaram-se pela exploração dos seus abundantes recursos pesqueiros, sobretudo de tunídeos.

No princípio do século XVI, foi construída uma cisterna na parte alta da Selvagem Grande para recolha da água da chuva e possibilitar a criação de cabras e coelhos que ali foram introduzidos. Com estes animais, ainda que não de propósito, chegaram, também, os ratos. Meio século depois, as ilhas passaram para as mãos de uma importante e rica família madeirense, de apelido Caiados, cujos descendentes, os Cabral de Noronha, as conservaram na sua posse durante quase quatro séculos. Em 1904, foram adquiridas pelo banqueiro madeirense Luís da Rocha, até que, em 1971, receberam a declaração de Reserva Natural.

Antes de serem declaradas Reserva Natural, as Ilhas Selvagens recebiam regularmente a visita não só de pescadores madeirenses, mas também canários procedentes, na sua maioria, de Lanzarote e de Puerto de La Cruz. Ali ficavam uns meses, pescando e dedicando-se à seca do peixe capturado, sobretudo véjas (também chamadas de bodião ou peixe-papagaio) que, curiosamente, não agradam aos portugueses. Em terra, dedicavam-se a apanhar crias de cagarra, que penduravam numa linha, de boca para baixo, para lhes extrair o famoso “óleo de cagarra”, um remédio muito eficaz no tratamento de chagas, eczemas, psoríase e outros males de pele. Ao longo de vários séculos, os pescadores canários e madeirenses mataram uma média anual de 22.000 peças, mas houve anos em que superaram as 50.000…

Os canários também se dedicaram ao cultivo de plantas barrilheiras para a obtenção de soda, utilizada no fabrico de vidros, sabões, etc. O planalto superior da Selvagem Grande ainda se encontra, em grande parte, coberto por um denso tapete de duas espécies deste tipo: a escarcha (Messembrianthemum crystallinum) e o cosco (M. nodiflorum).

À parte, conseguiam um ganho extra com a recolha de urzela, uns líquenes usados em tinturaria, muito abundantes nas escarpas costeiras, que se vendiam por bom preço nos portos canários. Numa ocasião, em meados do século XVIII, uns pescadores apanharam mais de 500 kg de urzela na Selvagem Grande. Quando as autoridades da Madeira se inteiraram do sucedido, protestaram energicamente junto do Governador-Geral de Canárias e não descansaram até receberem de volta o valor da mercadoria e o patrão do barco foi preso.

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